Desenho feito pelo artista plástico Wanderley Ciuffi |
Quando se fala em tapeçaria artística, é necessário definir qual técnica temos em mente. A mais prestigiosa é sem dúvida aquela tapeçaria mural figurativa que os flamengos (da Flandres belga e francesa) trabalharam à perfeição. Manufaturada em enormes teares de alto ou baixo liço, o nome que mais associamos a esse tipo de tapeçaria é Gobelin. Esse nome pertencia ao hábil tintureiro que fornecia a lã necessária para a confeccção das tapeçarias que cercavam de luxo a nobreza francesa. Mais tarde, a oficina que produzia essas tapeçarias para o rei chamou-se Manufacture des Gobelins.
Essas tapeçarias eram muito cobiçadas, pois conferiam enorme status a seus possuidores. Seu preço era altíssimo e os nobres se vangloriavam de possuí-las às dezenas. Forravam com elas as paredes frias de seus castelos, escondiam portas e janelas, serviam de biombo, enriqueciam o dote de princesas, guarneciam até cabines de navios. Aqueciam os ambientes. Quando a corte partia para alguma aventura, lá se iam as tapeçarias para os baús que as transportavam não sem dano. A pintura mural, nessa época, era a "prima pobre" da tapeçaria, já que seu custo era baixo e ela possuía a enorme desvantagem de não ser portátil. Os pintores, então, passaram a fazer projetos para serem transpostos em tapeçaria. Estávamos no Renascimento e grandes artistas emprestaram seu talento para com as tintas para o âmbito têxtil. A técnica necessária para traduzir com fios algo que foi pensado com tinta nunca foi tão apurada. A tapeçaria conheceu seu auge. Paradoxalmente, o grande esplendor que a tapeçaria alcançou com essa contribuição acabou por esterilizar e enrijecer o talento dos verdadeiros tapeceiros, daqueles que pensavam em termos de trama e urdidura, daqueles que buscavam soluções têxteis para problemas têxteis. A tapeçaria virou cópia da pintura. O gosto declinou. A tapeçaria quase morreu.
Jean Lurçat (1892-1966)
Foi ele o responsável pelo "renascimento" do interesse pela tapeçaria numa ótica moderna. Ele procurou simplificar e padronizar o conhecimento técnico necessário à produção de tapeçaria e reconduzir a feitura do cartão para o artista-tapeceiro detentor de uma linguagem artística própria. Estava aberto o caminho para que a arte moderna se apossasse dessa antiga técnica e a colocasse num novo patamar. Ele foi pintor, ceramista e tapeceiro. Antes de mandar tecer suas tapeçarias nas grandes oficinas remanescentes da grande época da tapeçaria, ele as mandava bordar por sua mãe ou esposa. A tapeçaria também se exprime no bordado.
Tapeçaria de Agulha
Menos prestigiada que sua irmã tecida, a tapeçaria bordada sempre esteve mais associada à decoração, à feitura de almofadas e estofamento de cadeiras. Poucos artistas elegeram-na como veículo para suas criações. (Temos Genaro de Carvalho, Madeleine e Concessa Colaço no Brasil). Borda-se geralmente com lã sobre talagarça, juta ou tecido e deve-se recobrir toda a superfície do trabalho com pontos de agulha. Existem numerosos pontos que se podem usar, sozinhos ou misturados. Há uma complicação adicional, já que um dos pontos mais populares que dispomos para bordar a talagarça também se chama Gobelin. O maior desafio para quem gosta desse tipo de tapeçaria e quer propô-lo como arte é desvincular sua feitura das cópias que se reproduzem aos milhares seguindo gráficos ou impressão prévia.
Todas as tapeçarias que ilustram essa postagem são de agulha e foram executadas por mim. Com exceção da primeira, projeto original de meu pai artista, as demais imagens foram colhidas em livros de história da arte. Elas decoram minha casa. Outra hora conto a história de cada uma delas.
9 comentários:
Teu conhecimento sobre arte não podia mesmo ser adquirido numa só encarnação, já veio no DNA. Dei uma breve panorâmica sobre a obra do teu pai. Adorei o que vi, com certeza muito pouco mas o suficiente para dizer que fiquei impressionada. A tela Reizado e Deusa são de tirar o fôlego. Este que você postou em tapeçaria é uma variação de Músicos?
Eu dei uma pesquisada para localizar alguma receita de convertible mittens mas só encontrei alguns pares para venda, sem a receita. Se quizer me mande a receita que você tem em inglês que eu peço ajuda às universitárias para traduzir. Abraços
Joana
Não, Joana, apesar de parecida, a tela que bordei não é variação da que ele pintou. Foi assim: pedi a ele que pintasse com tinta para tecido um pedaço de talagarça em branco. Eu queria ver o que era possível fazer para tentar bordar as manchas que ele fazia com as tintas. O resultado bem se vê que é precário. Temos uma paleta de cores muito modesta em nossas lãs, e eu não estava disposta a tingir eu mesma os fios. Só que meu pai ignorou solenemente as tintas que entreguei a ele e pintou com as suas, que são acrílicas. E repare que ele pintou a talagarça da mesma maneira que pinta suas telas, com gestos rápidos e muito "borrão". Você pode imaginar o resultado, né, todos os furinhos da talagarça entupidos com tinta acrílica. Tive que furar a tinta para passar a agulha com a lã. Mas o resultado valeu a pena. Preciso repetir a dose.
Quanto às luvinhas, não se preocupe, dou meus pulos por aqui.
Beijos
Concordo com a Joana, uma paixão herdada de família, que coisa rica! Suas obras estão lindas, parabéns, o esforço com a tinta acrílica valeu a pena. Tenho algumas peças de talagarça branca e cru no atelier, quando der coragem vou tentar criar ou reproduzir algo interessante...
Adorei as informações da postagem, aguardo ansiosa outras sobre a tapeçaria com agulhas.
Beijos, Angélica
Gostei muito do seu blog,já é meu favorito. Estou querendo fazer quadros e fotografias bordados. Já tentei com etamine e não gostei, estou tentando com talagarça fina e lã, mas não está saindo como eu imaginava. Gostaria de 99% de fidelidade à imagem, mas não sei o que usar. Por favor se puder me ajudar ficarei muito grato.
Jihad,
Existem uns programas para computador que transformam qualquer imagem em gráfico para ponto cruz, inclusive com a "chave" de cores das linhas e lãs de acordo com os fabricantes. Sei que existe, mas pessoalmente nunca usei nenhum. De acordo com a dimensão e complexidade da imagem, imagine-se tendo de tranferir para o tecido ou talagarça um gráfico feito de milhares de pontinhos de cor para fazer sentido? Não é impossível, muita gente o faz, só é preciso saber se é isso mesmo que você quer...
Oi,eu amo bordar!
Gostei muito de seus comentários sobre tapeçaria.
Conheço muitos programas que fazem gráficos de qualquer imagem e às vezes faço meus próprios gráficos, mas gostaria muito de fazer também os desenhos!
Faço parte de muitos fóruns e os russos são os melhores para os gráficos de gobelin, eles têm muita tradição e esquemas maravilhosos.
Eles usam muitas técnicas, não só o bordado sobre tela.
Conheça meus trabalhos no meu blog!
No mês de dezembro sai na revista MAKE, faço trabalhos para o loja Coisas da Dóris.
Espero sua visita!
Sandra
Sandra
Obrigada pela visita. Estive viajando e só hoje vi sua mensagem. Estou retornando aos poucos às postagens... Vou conferir seu blog, aguarde!
Oi, Ludmila.
Pesquisando sobre tapeçaria encontrei seu blog e fiquei impressionada com as espetaculares peças que vi.
Bordo desde criança tapeçaria e outros tipos de bordado, mas tenho predileção pela tapeçaria. Quando criança eu e minha mãe eramos apaixonadas pela obra de Madeleine Colaço e de outros artistas que também se dedicaram à tapeçaria.
Não tive a aportunidade de aprender o ponto brasileiro e gostaria de aprende-lo para usar em telas muito singelas e simples que tenho, mas que gosto muito por se tratar de temática brasileira.
Se não for muito incomodo, gostaria de saber se você saberia me indicar alguém ou algum lugar que ensine.
Adoraria resgatar esse ponto que fez minha imaginação viajar pela beleza e cultura do Brasil e pela obra de artistas sensacionais da tapeçaria.
Parabenizo você por esse blog fantástico e desde já começo a segui-la e Wanderlei no Facebook.
Abraços!
Guga, bom dia!
Desculpe-me pela demora em responder, é que praticamente abandonei este blog e somente hoje vi tua pergunta. Nem sei se você a receberá e lamento não ter uma resposta para dar, já que meu foco de interesse hoje é outro. Desde que troquei as agulhas pelos pincéis, parei de investir na busca de conhecimento sobre tapeçaria, embora meu respeito pela técnica permaneça inalterado. Não conheço hoje alguém que se dedique à tapeçaria bordada, então não posso indicar. Acompanho um pessoal mais atuante na produção de bordado livre, num tipo de representação mais distante da tapeçaria tradicional. Se você tiver interesse, procure-me pelo Messenger, mais fácil de me achar. Compartilharei com prazer. Um abraço!
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