27 de novembro de 2010

Costura de palavras

É próprio do sonho ser volátil. Tenho alimentado meu espírito com imagens tecidas magníficas, coisas que me vêm quando lanço ao mar minha rede desejosa de capturar não o peixe, mas o cintilante movimento de sua escama. Pescadores mais afortunados do que eu será que sonharam seus peixes imateriais antes de atá-los às  iscas do urdume?
Levantei hoje com um projeto têxtil todo construído enquanto dormia. Hypnos sussurou em meu ouvido fiapos de memória, palavras antigas, ambições recentes e rascunhou tudo com materiais comuns. Aqui um fio felpudo que dança ao menor sopro, ali o fio de cobre que reforça o esqueleto, acolá a remoção calculada da urdidura para construir janelas que se abrem para o éter ou para um trigal ou para uma duna ou para uma tempestade. Como tecer uma tempestade? Transferir para as mãos que separam as calas e conduzem as navetes carregadas de fios torcidos e retorcidos com cores que se misturam para criar uma imagem que não vi, ninguém viu, mas que precisa existir para fazer sentido?
Minha mão parece estar amarrada e, para não perder o têxtil apenas alinhavo de idéias, costuro aqui as palavras para não botar tudo a perder e desmanchar meu sonho como faço quando puxo o fio ao crochê desalinhado.

3 comentários:

Gi disse...

E aqui fico eu, cheia de curiosidade para ver o resultado dessa tecedura, e como vai ficar o manto diáfano da fantasia...

Ludmila Ciuffi disse...

Não li, Gi, esse livro do Eça, mas a imagem é fantástica e forte. Com a realidade lidamos todos os dias. Se não reservarmos espaço para o sonho e a imaginação que espécie de seres desalmados nos tornaremos? Seres insensíveis à beleza, à compaixão, à generosidade.
Atualmente, minhas referências literárias para panos fantásticos são duas: O Vestido Maravilho que Monteiro Lobato descreveu em seu livro infantil Reinações de Narizinho e a mortalha que Homero não descreveu em sua Odisséia, já que Penélope espertamente desmanchava o trabalho para ludibriar seus pretendentes enquanto aguardava o retorno de Odisseu. A passagem de Homero você certamente conhece, a de Monteiro Lobato é a coisa mais linda de se ler: o vestido foi feito pela costureira das fadas, uma aranha parisiense de mil anos que tecia não com fio, mas com a cor do mar e adornava seu vestido com os cintilações dos peixes a nadar pelo tecido vivo. A descrição é inesquecível para quem leu na infância esse livro rico.

Angélica B. Lopes disse...

Lindas palavras, como sempre. Monteiro Lobato continua encantando as novas gerações, acho que já li este trecho para minhas princesas... e que você continue a ter lindos sonhos sempre e que a vontade de transformá-los em realidade possa nos oferecer mais lindas peças para admirar! Beijos carinhosos e saudosos! Estou mergulhada numa encomenda de arraiolos, assim que terminar entro em contato para combinarmos mais um bom papo.