13 de novembro de 2010

Reflexão sobre tapeçaria

Todos os nossos gostos e inclinações pessoais nos vêm de maneira indireta. Nada de muito racional. A decisão de perseguir essa inclinação primeira vem depois. Somos tocados por uma atitude, um filme, uma roupa, uma piada, uma inveja, um elogio, uma canção, uma conversa, uma história, a lista não tem fim. Jamais procurei no meu passado a razão pela qual gosto de Idade Média, embora desconfie a razão pela qual gosto de tapeçaria. Posso revelar: adoro quadros, mas detesto tinta, aquela coisa pegajosa que escorre. Sempre gostei de trabalhos manuais (tricô, crochê, bordado). Quando descobri que se podia construir arte com fios, a paixão foi imediata. Quadros podiam ser bordados ou tecidos, enfim. Mas o encantamento durou pouco, pois quadros têm o seu veículo próprio: telas e tintas. Van Gogh era capaz de pintar teares lindamente, mas desse-lhe um tear para operar talvez ele produzisse um punhado de nós. Mal comparando, para quê plantar alfaces cavando buracos com bisturis?
Então era isso, a tapeçaria era só a atividade de gente invejosa da pintura? Insatisfeita, fui estudar e encontrei artistas que não são nem nunca quiseram ser pintores. Suas tapeçarias são focadas nelas mesmas e refletem um diálogo com os materiais têxteis que lhe são próprios. Pouco importava se a tapeçaria era figurativa ou abstrata, bi ou tridimensional, costurada, bordada, crochetada, tricotada ou tecida. Foi grandioso! Enfim a Tapeçaria com inicial maiúscula, liberta da pintura.

Essa imagem que ilustra a postagem bordei sobre talagarça usando meio-ponto e casa-caiada. Trata-se da composição de imagens que recolhi em diversas iluminuras medievais. No original, a dama à direita tinha a linha preta do contorno do cabelo lindamente verde no interior da mancha de cor, como se os fios fossem soprados pelo vento. Impossível reproduzir em talagarça sem que minha gentil dama parecesse uma Medusa. Em tear ficaria muito bom, hoje o sei.
Quando bordei, a tapeçaria ainda não existia para mim com linguagem própria. Por isso a bordei. Hoje as coisas se complicaram, pois, para ser coerente, ou não bordo, ou salto o círculo de giz e vou fazer outra coisa.

6 comentários:

Gi disse...

Engraçado, isso de nos prendermos a uma época histórica sem sabermos bem porquê; descobriríamos a razão se tivéssemos paciência para nos submetermos a psicanálise?

A mim fascinam-me os últimos anos da República Romana, que procuro conhecer em detalhe.

Quem me dera que além de (mais) pinturas murais e mosaicos também tivessem sobrevivido os tapetes e bordados dessa época.

Ludmila Ciuffi disse...

Gi, sabe que acho que as palavras são o material mais plástico que existe e os psis são especialistas em produzir discursos... São legais, às vezes, podem ajudar algumas pessoas, mas só algumas... Pois, como diz o Rosa (Guimarães): "quem mói no ásp'ero não fantaseia".

Quanto a nossos apegos históricos, que bom que eles existem, não? Eu, pelo menos, que não sou medievalista nem especialista em coisa nenhuma, vibro quando encontro uma informação nova para juntar às outras que recolhi por aí. Prazer de colecionador.

Da história romana pouco sei, embora pretenda visitar um dia suas ruínas em todos os lugares que puder. Quantas vidas precisamos viver para estudar tudo aquilo que nos interessa?

Na minha postagem anterior há uma pequena tapeçaria de um rosto de mulher com olhos grandes. Trata-se de minha tentativa de reproduzir no bordado o "retrato" de Teodora no maravilhoso mosaico bizantino em Ravena. Quando puder colocar meus pés em Pádua para reverenciar os afrescos de Giotto tenho certeza que estarei bem próxima do Paraíso.

Vítor Ribeiro disse...

Que lindas tapeçarias...!
Adorei os seus trabalhos!!!

Ludmila Ciuffi disse...

Obrigada, VR, é pena que eu não possa fotografá-las como você faz tão bem. Adoro passear pelas suas fotos e ver lugares que não conheço.

Angélica B. Lopes disse...

Lindas as suas damas medievais, cada trabalho postado seu é um deleite para os olhos!

Já me arrisquei com as tintas, mas nessa hora o que vem à mente é um outro tipo de trabalho, muito abstrato, envolvendo a descoberta das cores.

Suas tapeçarias tem o "T" maiúsculo, com certeza!

Beijos da admiradora Angélica.

Ludmila Ciuffi disse...

Obrigada pelo elogio, Angélica. Vamos pesquisar técnicas e fazer tapeçaria só nossa? Por exemplo, você já experimentou "construir" o fio que será passado na agulha misturando cores para fazer degradê? Precisamos retorcer o fio... Usamos essa técnica no tear para fazer o que chamamos chiné. Precisamos de espaço na agenda para "trocar figurinha" e tocar alguns projetos. Vamos?