21 de março de 2011

Jean Lurçat




Jean Lurçat foi o artista francês responsável pela renovação que a arte da tapeçaria sofreria na França à partir da década de 40. Os grandes ateliês - notadamente os de Aubusson - viviam de reproduzir e perpetuar uma figuração de gosto renascentista que fez a glória da tapeçaria nos séculos XV e XVI. Mas lá se vão muitos séculos: a função da arte, a sensibilidade do artista, o gosto do público, o diálogo com o seu tempo mudaram desde então. Para quem gosta do suporte têxtil, faltava algo novo.
Lurçat não foi o primeiro. Outros artistas antes dele experimentavam mandar tecer seus trabalhos, mas nenhuma dessas obras era pensada em termos de trama e urdidura, nenhuma delas levava em conta a especificidade da técnica têxtil. Tradições diferentes da francesa já experimentavam no têxtil novos caminhos, vide as propostas moderníssimas da Bauhaus na década de 20.
Quando Lurçat se rendeu à arte têxtil, ele abandonou uma sólida e reputada carreira de pintor. Não foi uma mera troca de suporte, saem os pincéis, entram liços e navetes. A arte dele mudou. Há um Lurçat pintor e outro Lurçat tapeceiro. Saiu de cena o pintor solitário e o que se seguiu foi um homem engajado em grandes projetos coletivos que dialogavam com o seu tempo sem desmerecer a tradição mais antiga donde a tapeçaria se originou. Essa tradição com a qual ele dialogava não era Renascentista, era Medieval.
A grande contribuição que Lurçat trouxe foi a simplificação da paleta de cores usada pelos tecelões e o uso do cartão numerado nos projetos. Vamos entender isso. Um cartão é um projeto gráfico em tamanho natural  daquilo que o artista quer reproduzir na tapeçaria. É o "mapa" que deve ser seguido meticulosamente pelos artesãos que operam o tear. É o "risco do bordado". A tapeçaria costuma ser obra monumental. Imagine-se uma peça de 4,0 x 12,0 m. São 48 metros de superfície tecida ponto por ponto, ou grão por grão, ou pixel por pixel. São necessários vários artesãos trabalhando simultaneamente por muitos meses para dar término à obra. Um cartão convencional é uma pintura que deve ser "interpretada", "traduzida" pelos artesãos por exemplo no tocante ao uso da cor, já que a lã não possui o espectro ilimitado de cores que as tintas possuem. Lurçat traçava as linhas dos contornos e atribuía números aos variados campos de cor de seu desenho. Cada número correspondia a uma cor de lã existente e disponível para uso dos tecelões. Ao fazer isso, Lurçat facilitava o trabalho dos artesãos que eram capazes de reproduzir fielmente o desenho nas proporções e cores concebidas por ele.
A decisão de abandonar os pincéis veio em 1939 quando Jean Lurçat conheceu a Tapeçaria do Apocalipse, em Angers. Para dialogar com essa tapeçaria medieval, nosso artista concebeu a sua O Canto do Mundo, em que apresenta a sua versão do apocalipse em tempos modernos. Essa série de dez tapeçarias está exposta na mesma cidade num prédio construído para ser hospital no século XII. O Hôpital Saint-Jean abriga hoje o Museu Jean Lurçat e a Tapeçaria Contemporânea, onde outros artistas têxteis podem ser visitados.

2 comentários:

Joana disse...

Interessante o uso da cartela, minha amiga tecelã Perpétua Martins usa o mesmo processo para a confecção de filê. Neste final de semana assisti um documentário sobre a confecção do tapete de flores da mesquita de Abu Dhabi, fiquei encantada e pasma.
Joana

Angélica B. Lopes disse...

Lindas fotos! Muita vontade de ir até lá conferir estas maravilhas de Lurçat, você, como sempre, nos enriquecendo de cultura! Beijos, Angélica.