12 de outubro de 2012

Circunlóquio


Chove neste feriado sem fé e sem meninos. Na parede, terminou a espera de um São Francisco que aguardava por um prego há mais de uma semana. Conta-se que, cansado de ouvidos humanos, o homem resolveu pregar aos animais. Não pelas mesmas razões, enterrei minhas mãos na terra úmida do vaso-útero recém comprado para uma muda de Jacarandá que aguardava há tempo meus cuidados. Mãos enraizadas e pés chapados no chão, deixei a chuva encharcar corpo e espírito enquanto transplantava o Ipê Roxo também relegado, na esperança de confundir suas flores com as minhas.
Pé no chão e idéia fixa, o salto agulha da filha lembrou-me aquele outro com o qual Fassbinder calçou sua Maria Braun antes dela explodir a casa. Talvez Clitemnestra usasse tacões quando matou Agamémnon. Sua irmã Helena devia andar de sandálias, pois muito havia o que percorrer entre Micenas e Tróia . Penélope, essa, andava descalça e ocupava diuturnamente suas mãos para não afogar-se num solilóquio interminável. Protelada por Hamlet, sucumbiu Ofélia, que não sabia tecer ou bordar. Tivesse ela plantado um Jacarandá no túmulo do pai, as águas não a teriam levado. Tivesse Maria Braun assado um bolo, como eu, sua cozinha não teria explodido.

4 comentários:

Gi disse...

Dois pensamentos:
1. Eu a tratar da horta, a Ludmila a tratar do jardim :-)
2. Afinal este é im post com moral...

Ludmila Ciuffi disse...

Verdade, Gi, e tua horta está linda! Deu-me água na boca a história do caldo verde... Quanto à moral do post, talvez eu não estivesse num bom momento.:-)

Joana disse...

Você estava num otimo momento. -Elas- eh que não estavam. Ainda bem que eu planto e teço, não corro o risco de matar ou morrer. Bjs

Ludmila Ciuffi disse...

Grande Joana, obrigada pelo comentário! Espetei de um lado e você sentiu a cutucada do outro...